O presidente do pacífico de passagem pela Europa
25/05/11
por João Carlos Barradas
"A intervenção militar na Líbia liderada por franceses e britânicos entra no seu terceiro mês sem solução política à vista e ameaça envolver os Estados Unidos num atoleiro que Barack Obama tentou evitar.
Os aliados europeus de Washington estão em risco de a curto prazo cederem à tentação de mobilizar forças terrestres para tentarem fazer pender a relação de forças contra Gadaffi numa guerra civil que se arrasta.
O coronel tem-se mostrado capaz de manter o controlo sobre os principais centros urbanos das regiões ocidentais e do sul da Líbia apesar do isolamento internacional de Tripoli.
As acções militares dos países da NATO ultrapassam os termos da mera protecção de civis salvaguardada por decisão do Conselho de Segurança da ONU e colocam Londres, Paris, Roma e Washington em rota de colisão com grande número de estados árabes e potências como a China, Índia, Rússia, Brasil ou África do Sul.
Os Estados Unidos, após assumirem o comando e coordenação militares na fase inicial dos ataques aéreos e navais, tinham descartado a participação em força na ofensiva contra Gadaffi por considerarem a Líbia um país não-estratégico para os seus interesses.
Descoordenação e divergências políticas, insuficiências militares dos aliados europeus, acabaram por constranger os Estados Unidos a prosseguirem uma participação directa nos ataques e a darem cobertura a uma dúbia coligação de opositores ao coronel.
A guerra civil líbia, que implicava sobretudo os interesses de aliados como a Itália, Espanha, a França ou a Turquia, revela um dos paradoxos maiores com que se confrontam os Estados Unidos: mesmo quando a Casa Branca pretende distanciar-se de certas crises regionais a rede de interesses e alianças internacionais acaba por arrastar Washington para intervenções indesejadas.
O arrimo dos aliados
Apesar de todos estes embaraços os Estados Unidos precisam dos aliados europeus para financiar, sustentar politicamente e apoiar militarmente a estratégia definida para o norte de África e o Médio Oriente e reiterada a semana passada por Obama.
A retórica de apoio à Tunísia e ao Egipto, as denúncias das violências na Líbia, Síria e no Iémen, os silêncios sobre a repressão dos xiitas no Bahrein, omissões quanto à democratização em países como Marrocos, Arábia Saudita ou Jordânia, definiram o quadro estratégico traçado por Obama e em todos os casos será conveniente a Washington contar com a NATO e a União Europeia.
O impasse no conflito israelo-palestiniano, contudo, poderá a curto prazo saldar-se por uma divergência diplomática séria se a Turquia e alguns estados da UE apoiarem em Setembro uma declaração unilateral de independência palestiniana, mas as consequências no terreno serão diminutas.
A administração democrata nunca retirará o sustento financeiro e militar a Israel por mais que condene as expansão de colonatos na Cisjordânia e, em último recurso, tal como os aliados da NATO e da UE, encontrará na campanha para contenção do programa militar nuclear do Irão fundamento suficiente para evitar o isolamento diplomático de Telavive.
A questão iraniana condiciona, também, as relações com os países bálticos, do leste europeu e a Turquia na medida em que Washington e a NATO ainda não acordaram com Moscovo os termos de uma eventual parceria para um sistema de defesa anti-mísseis justificado em última análise pela alegada ameaça de Teerão.
Perdidos no Hindu Kush
A ressaca de uma guerra sem norte na Mesopotâmia em que o Irão surge como beneficiário claro deixou os europeus com escassa influência quanto à planeada retirada parcial dos militares norte-americanos do Iraque, mas já no Afeganistão os Estados Unidos necessitam de todo o arrimo possível.
As negociações em curso com os taliban dificilmente levarão os insurrectos a participarem em Dezembro na Conferência de Bona que assinalará o décimo aniversário do estabelecimento do governo interino do Afeganistão e a via negocial mostra-se incapaz de pôr termo à guerra.
Na impossibilidade de vitória militar é aventada como justificação para retirada progressiva o argumento de que irão desaparecer bases permanentes no Afeganistão de organizações terroristas capazes de representarem um perigo regional ou internacional.
O abandono do teatro de guerra afegão terá bom acolhimento nas opiniões públicas ocidentais, mas é uma solução de recurso ilusória, se a neutralização do Afeganistão - independentemente do regime político em Cabul ou das partilhas de poder no país a que ocidentais, russos e iranianos se acomodem - não for feita em termos que não antagonizem o Paquistão, nem sejam vistas pela Índia como uma ameaça.
Projecção incomparável
Todas estas questões que Obama aborda na presente digressão europeia são reveladoras de algumas características das relações dos Estados Unidos com os seus principais parceiros do velho continente e que ultrapassam em muito as dimensões económicas e financeiras.
A NATO, a presença do Reino Unido e da França no Conselho de Segurança, as estruturas políticas da UE, representam, apesar das crescentes limitações na projecção de poder dos europeus, o mais sólido apoio de última instância dos Estados Unidos.
O suporte que os europeus oferecem não se estende além de zonas tradicionais de influência em África, detém-se nos contrafortes do Cáucaso, mas contem a Rússia, e do Médio Oriente chega a adiantar-se pela Ásia Central graças à cada vez mais relevante contribuição turca.
Além do peso económico e cultural da Europa, os legados coloniais propiciam uma desproporcionada influência global que não tem paralelo em potências de outros continentes.
Obama autoproclamou-se em Tóquio, em Novembro de 2009 ainda nem completara um ano de mandato, "o primeiro presidente americano do Pacífico".
O "presidente do Pacífico", pelo simbolismo de uma infância no Hawai e na Indonésia, tem necessariamente de reequilibrar a estratégia de Washington para tentar acomodar os interesses das potências emergentes, sobretudo a China e a Índia.
Na Europa, muito em especial nos países com mais antigas relações históricas com os Estados Unidos, Washington continua, no entanto, a encontrar um núcleo de apoio político e com uma influência global sem paralelo."
in
http://www.jornaldenegocios.pt/home.php?template=SHOWNEWS_V2&id=486653
por João Carlos Barradas
"A intervenção militar na Líbia liderada por franceses e britânicos entra no seu terceiro mês sem solução política à vista e ameaça envolver os Estados Unidos num atoleiro que Barack Obama tentou evitar.
Os aliados europeus de Washington estão em risco de a curto prazo cederem à tentação de mobilizar forças terrestres para tentarem fazer pender a relação de forças contra Gadaffi numa guerra civil que se arrasta.
O coronel tem-se mostrado capaz de manter o controlo sobre os principais centros urbanos das regiões ocidentais e do sul da Líbia apesar do isolamento internacional de Tripoli.
As acções militares dos países da NATO ultrapassam os termos da mera protecção de civis salvaguardada por decisão do Conselho de Segurança da ONU e colocam Londres, Paris, Roma e Washington em rota de colisão com grande número de estados árabes e potências como a China, Índia, Rússia, Brasil ou África do Sul.
Os Estados Unidos, após assumirem o comando e coordenação militares na fase inicial dos ataques aéreos e navais, tinham descartado a participação em força na ofensiva contra Gadaffi por considerarem a Líbia um país não-estratégico para os seus interesses.
Descoordenação e divergências políticas, insuficiências militares dos aliados europeus, acabaram por constranger os Estados Unidos a prosseguirem uma participação directa nos ataques e a darem cobertura a uma dúbia coligação de opositores ao coronel.
A guerra civil líbia, que implicava sobretudo os interesses de aliados como a Itália, Espanha, a França ou a Turquia, revela um dos paradoxos maiores com que se confrontam os Estados Unidos: mesmo quando a Casa Branca pretende distanciar-se de certas crises regionais a rede de interesses e alianças internacionais acaba por arrastar Washington para intervenções indesejadas.
O arrimo dos aliados
Apesar de todos estes embaraços os Estados Unidos precisam dos aliados europeus para financiar, sustentar politicamente e apoiar militarmente a estratégia definida para o norte de África e o Médio Oriente e reiterada a semana passada por Obama.
A retórica de apoio à Tunísia e ao Egipto, as denúncias das violências na Líbia, Síria e no Iémen, os silêncios sobre a repressão dos xiitas no Bahrein, omissões quanto à democratização em países como Marrocos, Arábia Saudita ou Jordânia, definiram o quadro estratégico traçado por Obama e em todos os casos será conveniente a Washington contar com a NATO e a União Europeia.
O impasse no conflito israelo-palestiniano, contudo, poderá a curto prazo saldar-se por uma divergência diplomática séria se a Turquia e alguns estados da UE apoiarem em Setembro uma declaração unilateral de independência palestiniana, mas as consequências no terreno serão diminutas.
A administração democrata nunca retirará o sustento financeiro e militar a Israel por mais que condene as expansão de colonatos na Cisjordânia e, em último recurso, tal como os aliados da NATO e da UE, encontrará na campanha para contenção do programa militar nuclear do Irão fundamento suficiente para evitar o isolamento diplomático de Telavive.
A questão iraniana condiciona, também, as relações com os países bálticos, do leste europeu e a Turquia na medida em que Washington e a NATO ainda não acordaram com Moscovo os termos de uma eventual parceria para um sistema de defesa anti-mísseis justificado em última análise pela alegada ameaça de Teerão.
Perdidos no Hindu Kush
A ressaca de uma guerra sem norte na Mesopotâmia em que o Irão surge como beneficiário claro deixou os europeus com escassa influência quanto à planeada retirada parcial dos militares norte-americanos do Iraque, mas já no Afeganistão os Estados Unidos necessitam de todo o arrimo possível.
As negociações em curso com os taliban dificilmente levarão os insurrectos a participarem em Dezembro na Conferência de Bona que assinalará o décimo aniversário do estabelecimento do governo interino do Afeganistão e a via negocial mostra-se incapaz de pôr termo à guerra.
Na impossibilidade de vitória militar é aventada como justificação para retirada progressiva o argumento de que irão desaparecer bases permanentes no Afeganistão de organizações terroristas capazes de representarem um perigo regional ou internacional.
O abandono do teatro de guerra afegão terá bom acolhimento nas opiniões públicas ocidentais, mas é uma solução de recurso ilusória, se a neutralização do Afeganistão - independentemente do regime político em Cabul ou das partilhas de poder no país a que ocidentais, russos e iranianos se acomodem - não for feita em termos que não antagonizem o Paquistão, nem sejam vistas pela Índia como uma ameaça.
Projecção incomparável
Todas estas questões que Obama aborda na presente digressão europeia são reveladoras de algumas características das relações dos Estados Unidos com os seus principais parceiros do velho continente e que ultrapassam em muito as dimensões económicas e financeiras.
A NATO, a presença do Reino Unido e da França no Conselho de Segurança, as estruturas políticas da UE, representam, apesar das crescentes limitações na projecção de poder dos europeus, o mais sólido apoio de última instância dos Estados Unidos.
O suporte que os europeus oferecem não se estende além de zonas tradicionais de influência em África, detém-se nos contrafortes do Cáucaso, mas contem a Rússia, e do Médio Oriente chega a adiantar-se pela Ásia Central graças à cada vez mais relevante contribuição turca.
Além do peso económico e cultural da Europa, os legados coloniais propiciam uma desproporcionada influência global que não tem paralelo em potências de outros continentes.
Obama autoproclamou-se em Tóquio, em Novembro de 2009 ainda nem completara um ano de mandato, "o primeiro presidente americano do Pacífico".
O "presidente do Pacífico", pelo simbolismo de uma infância no Hawai e na Indonésia, tem necessariamente de reequilibrar a estratégia de Washington para tentar acomodar os interesses das potências emergentes, sobretudo a China e a Índia.
Na Europa, muito em especial nos países com mais antigas relações históricas com os Estados Unidos, Washington continua, no entanto, a encontrar um núcleo de apoio político e com uma influência global sem paralelo."
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