Marshall, Delors, Strauss-Kahn e Merkel
25/05/11
por Pedro Lains
"Em 1970, a CEE assinou um tratado de comércio com a Espanha e, em 1972, fez o mesmo com Portugal.
Isso apesar de as opiniões públicas europeias serem contra acordos com ditaduras, e apesar dos protestos de deputados do Parlamento Europeu, então ainda mais fracos do que hoje. Porquê? Simples, porque a França assim o quis. Em 1986, depois de longos anos de negociação, que tudo tiveram que ver com a crise de crescimento que grassava desde 1973 e que só seria resolvida por volta de 1984, Espanha e Portugal entraram nas Comunidades. E os fundos estruturais foram reforçados. Porquê? Simples, porque a França assim o quis. Mais tarde, ainda vieram mais reforços dos fundos, que ficaram conhecidos como os Pacotes Delors I e II, o presidente da Comissão Europeia francês mais amigo da coesão e da integração europeia.
Em todos estes episódios, a Alemanha, à esquerda e à direita, era uma apoiante incondicional, dado que toda a sua atenção estava virada para esse mesmo ocidente.
Tanto amor há tanto tempo da França pela Península Ibérica deve-se a quê? Aí a resposta é mais complexa, mas passa seguramente pela defesa do próprio interesse francês. Afinal, Espanha, assim como Portugal, estão próximos e fazem parte da sua área de influência, política e económica. São a extensão natural das fronteiras do país.
Do mesmo modo que a partir de 1989 a Polónia e a República Checa, entre outros, passaram a chamar a atenção da Alemanha.
Tudo o que se passa na União Europeia, passa-se em defesa dos interesses nacionais dos Estados membros e a atenção francesa pela Ibéria ou a alemã pela Europa Central não são mais do que a manifestação da defesa desses interesses.
A União Europeia está dividida, como já esteve em outras ocasiões, mas agora de outra maneira. E está dividida numa altura, também como em outras, em que é preciso tomar medidas fortes para combater uma crise que ainda não tem fim à vista.
A crise da periferia do euro é isso mesmo, uma crise na periferia. Por isso tem sido uma mola menor de mudança institucional, dentro da União. Crises semelhantes, entre cigarras e formigas, aconteceram no passado só que então os protagonistas eram grandes, a França e a Alemanha. Levaram tempo a resolver, mas foram resolvidas. Através, precisamente, da criação do instrumento que agora está a causar problemas, o euro. Recorde-se que a moeda única foi criada para acabar com as desvalorizações competitivas dos governos franceses, que em muito afectavam a economia alemã e outras a norte.
A fraca reacção institucional europeia abriu caminho para a entrada em acção de uma outra instituição, o FMI. De certa forma, isso é uma ironia do destino.
O FMI é filho, todos sabemos, de Bretton Woods, esse acordo para manter taxas mais ou menos fixas. Na altura já se sabia - e quem não o sabia tinha ainda Keynes, um dos negociadores, para lho lembrar - que não pode haver câmbios fixos e alguma liberdade de capitais sem um mecanismo de compensação de desequilíbrios de pagamentos externos. Em 1999, o euro foi criado sem um mecanismo semelhante, para evitar custos políticos impossíveis de ultrapassar.
Entre 1944 e 1950, com Bretton Woods, o FMI, o plano Marshall, a OECE e o União Europeia de Pagamentos, os Estados Unidos, também por interesse próprio, salvaram o mundo e, acima de tudo, obrigaram a Europa a entender-se e a não repetir os erros de Versalhes. Agora, o FMI, até recentemente com um europeu socialista francês à frente, Strauss-Kahn, está outra vez a socorrer a Europa, embora num plano diferente.
Parece que a Europa precisa outra vez da América ou, pelo menos, das instituições que ela inventou, para se pôr de novo nos eixos, numa altura em que está sem força política.
Para que este regresso à História continue, é bom que vá para o FMI alguém parecido com Strauss-Kahn. Christine Lagarde seria uma boa escolha.
E há uma segunda ironia do destino em tudo isto. É que Bretton Woods e o FMI tiveram a companhia do Plano Marshall, essa grande iniciativa destinada a ajudar o país que agora está renitente em contribuir para ajudar a ultrapassar a actual crise.
Bem sei que não se pode ajudar quem não promete remediar-se. Mas o problema é que mesmo as promessas da periferia nos últimos tempos não têm mudado a atitude do Governo alemão ou do seu eleitorado.
A questão está em conseguir convencer o eleitorado alemão de que é no interesse deles ajudar. Para isso falta agora um grane político europeu, chapéu que Merkel podia um dia experimentar."
in
http://www.jornaldenegocios.pt/home.php?template=SHOWNEWS_V2&id=486651
por Pedro Lains
"Em 1970, a CEE assinou um tratado de comércio com a Espanha e, em 1972, fez o mesmo com Portugal.
Isso apesar de as opiniões públicas europeias serem contra acordos com ditaduras, e apesar dos protestos de deputados do Parlamento Europeu, então ainda mais fracos do que hoje. Porquê? Simples, porque a França assim o quis. Em 1986, depois de longos anos de negociação, que tudo tiveram que ver com a crise de crescimento que grassava desde 1973 e que só seria resolvida por volta de 1984, Espanha e Portugal entraram nas Comunidades. E os fundos estruturais foram reforçados. Porquê? Simples, porque a França assim o quis. Mais tarde, ainda vieram mais reforços dos fundos, que ficaram conhecidos como os Pacotes Delors I e II, o presidente da Comissão Europeia francês mais amigo da coesão e da integração europeia.
Em todos estes episódios, a Alemanha, à esquerda e à direita, era uma apoiante incondicional, dado que toda a sua atenção estava virada para esse mesmo ocidente.
Tanto amor há tanto tempo da França pela Península Ibérica deve-se a quê? Aí a resposta é mais complexa, mas passa seguramente pela defesa do próprio interesse francês. Afinal, Espanha, assim como Portugal, estão próximos e fazem parte da sua área de influência, política e económica. São a extensão natural das fronteiras do país.
Do mesmo modo que a partir de 1989 a Polónia e a República Checa, entre outros, passaram a chamar a atenção da Alemanha.
Tudo o que se passa na União Europeia, passa-se em defesa dos interesses nacionais dos Estados membros e a atenção francesa pela Ibéria ou a alemã pela Europa Central não são mais do que a manifestação da defesa desses interesses.
A União Europeia está dividida, como já esteve em outras ocasiões, mas agora de outra maneira. E está dividida numa altura, também como em outras, em que é preciso tomar medidas fortes para combater uma crise que ainda não tem fim à vista.
A crise da periferia do euro é isso mesmo, uma crise na periferia. Por isso tem sido uma mola menor de mudança institucional, dentro da União. Crises semelhantes, entre cigarras e formigas, aconteceram no passado só que então os protagonistas eram grandes, a França e a Alemanha. Levaram tempo a resolver, mas foram resolvidas. Através, precisamente, da criação do instrumento que agora está a causar problemas, o euro. Recorde-se que a moeda única foi criada para acabar com as desvalorizações competitivas dos governos franceses, que em muito afectavam a economia alemã e outras a norte.
A fraca reacção institucional europeia abriu caminho para a entrada em acção de uma outra instituição, o FMI. De certa forma, isso é uma ironia do destino.
O FMI é filho, todos sabemos, de Bretton Woods, esse acordo para manter taxas mais ou menos fixas. Na altura já se sabia - e quem não o sabia tinha ainda Keynes, um dos negociadores, para lho lembrar - que não pode haver câmbios fixos e alguma liberdade de capitais sem um mecanismo de compensação de desequilíbrios de pagamentos externos. Em 1999, o euro foi criado sem um mecanismo semelhante, para evitar custos políticos impossíveis de ultrapassar.
Entre 1944 e 1950, com Bretton Woods, o FMI, o plano Marshall, a OECE e o União Europeia de Pagamentos, os Estados Unidos, também por interesse próprio, salvaram o mundo e, acima de tudo, obrigaram a Europa a entender-se e a não repetir os erros de Versalhes. Agora, o FMI, até recentemente com um europeu socialista francês à frente, Strauss-Kahn, está outra vez a socorrer a Europa, embora num plano diferente.
Parece que a Europa precisa outra vez da América ou, pelo menos, das instituições que ela inventou, para se pôr de novo nos eixos, numa altura em que está sem força política.
Para que este regresso à História continue, é bom que vá para o FMI alguém parecido com Strauss-Kahn. Christine Lagarde seria uma boa escolha.
E há uma segunda ironia do destino em tudo isto. É que Bretton Woods e o FMI tiveram a companhia do Plano Marshall, essa grande iniciativa destinada a ajudar o país que agora está renitente em contribuir para ajudar a ultrapassar a actual crise.
Bem sei que não se pode ajudar quem não promete remediar-se. Mas o problema é que mesmo as promessas da periferia nos últimos tempos não têm mudado a atitude do Governo alemão ou do seu eleitorado.
A questão está em conseguir convencer o eleitorado alemão de que é no interesse deles ajudar. Para isso falta agora um grane político europeu, chapéu que Merkel podia um dia experimentar."
in
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