Este texto está presente na Mostra de Arte relativa à semana da Europa, que decorre em frente às reprografias da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.
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Europa Unida? Cada vez mais, sinto viver numa redoma de cristal. Não é por cada vez que ligo a televisão ou abro o jornal ver imagens de crianças estropiadas, guerra, fogo, sangue e ódio. Já há muito que esse bombardeamento me fez entrar em estado letárgico. Simplesmente, comecei a confrontar aquilo em que me querem fazer acreditar com a realidade que constato à minha volta. Falam de uma Europa unida, que vive os seus mais prósperos momentos de sempre; jovens de várias cores sorriem de mãos dadas sobre um fundo azul com estrelinhas amarelas. E, apesar de acreditar que jamais em toda a História houve tanta gente a viver tão bem, não consigo deixar de pensar que vivo uma mentira. Porque perto de mim vivem pessoas em condições insalubres, gente que foi forçada a deixar o seu país de origem para ser recebida de forma hostil num lugar ignoto. Porque o chão que brilha e piso diariamente na minha faculdade é limpo por essas pessoas; porque para eu viver tranquila e confortável, essa gente invisível tem que suar e sofrer. É uma Europa onde todos têm lugar, ou deveriam ter. Sobretudo se considerarmos que foi a apropriação desmedida e a colonialização levada a cabo pelo nosso antepassado europeu a originar a maior parte dos conflitos com que se debatem ainda hoje os ditos países sub-desenvolvidos, e que continuam a ser alimentados pela mesma Europa unida e sorridente dos cartazes. Tornámos a sua vida insustentável na sua pátria mãe; quando fogem procurando abrigo, da mesma forma que poucos anos atrás nós, portugueses, fugimos, fechamos-lhes a porta e recambiamo-los com um carimbo na testa.
Não que eu seja contra o conceito de Europa Unida, pelo contrário. Sou até a favor do Mundo Unido, do Sistema Solar, do Universo. Acredito que a pluralidade pode coexistir com a unidade. Que não precisamos de prescindir da nossa cultura no novo mundo global: podemos transformá-la em algo ainda mais rico e vibrante, sem precisarmos de nos submeter ao culto da comida de plástico e da futilidade. Nunca houve tanto espaço para tanta diversidade; penso apenas que poderíamos tirar maior partido dela. Que em vez de ficarmos sentados no sofá a ver MTV e a jogar PlayStation podemos abrir os olhos e usufruir das enormes vantagens que advêm do encontro de culturas. Que podemos sorrir a quem connosco se cruza em vez de lhe dirigir um esgar de medo ou indiferença.
Sou pela Europa Verdadeiramente Unida, não pela Aparentemente Unida. E apesar de viver segura e feliz na minha pequena redoma, luto para lhe escapar porque acredito que a vida fora dela poderá ser, apesar de muito mais atribulada, ainda melhor. "
Dânia Rodrigues, Arqueologia – FLUL
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