"Somos todos europeus?"
03 Junho2011 11:59
Cristina Casalinho
"Nas últimas semanas, a discussão sobre o futuro do euro e da União Monetária Europeia adquiriu contornos mais definitivos.
A resolução da crise da dívida grega encerra a visão do que se pretende que a área do euro seja. O modelo actual falhou em Maio de 2010 com a necessidade de apoio financeiro internacional ao Estado helénico. Seguidamente, têm vindo a ser sucessivamente testadas soluções temporárias, numa sucessão de tentativas de adiamento de uma solução final. À partida do projecto do euro, reconheciam-se debilidades óbvias no respeitante à criação de uma união monetária óptima: concretamente, ausência de flexibilidade salarial e mobilidade laboral dentro do espaço europeu, sem mecanismos alternativos de transferência/ajustamento de rendimento. Esta fragilidade condiciona o ajustamento relativo das economias a choques assimétricos (e.g.: a abertura do comércio internacional à China).
Durante algum tempo, os mercados financeiros supriram a inexistência de mecanismos alternativos de transferência de rendimento, porque os bancos dos países do centro da Europa com excedentes de poupança canalizavam-nos através de bancos locais para as populações dos países da designada periferia para obviar os seus défices de poupança, materializados em saldos externos negativos. Contudo, a crise financeira de 2007-2008 interrompeu estes fluxos. Num primeiro momento, o Banco Central Europeu tentou aliviar parte do constrangimento dos bancos cedendo liquidez; daqui o forte aumento do recurso a financiamento do BCE dos bancos gregos e irlandeses. Contudo, esta solução tornou-se insustentável à medida que os governos dos estados observaram dificuldades de refinanciamento. Perante a necessidade de assegurar a satisfação das necessidades de liquidez do estado grego, a UEM criou um mecanismo de resolução de crises de pagamentos de Estados-membros: o fundo europeu de estabilidade financeira (FEEF), quando se advogava soluções mais arrojadas como a criação de um emitente europeu comum e de um mecanismo de transferências entre estados subordinadas a um orçamento comum.
O reforço da integração orçamental não tem sido a solução preconizada pelos estados. Contudo, a dívida da Grécia, Irlanda e Portugal está progressivamente a concentrar-se em instituições europeias: o fundo de estabilidade, o mecanismo de estabilização (MEEF) e o BCE. O FEEF e o MEEF têm-se financiado no mercado de capitais, o que estes estados não conseguem, repassando estes fundos com acréscimo de custo para os países sob intervenção. O BCE, por seu turno, vai financiando os respectivos sistemas bancários, aceitando como colateral dívida que outros credores rejeitam. Informalmente, está-se a criar um emitente comum e impõem-se regras de gestão orçamental alinhadas com o grupo.
Estes mecanismos têm-se, porém, revelado insuficientes para suster a turbulência. A agitação ou a maior aproximação da necessidade de uma solução final atingiu o seu zénite com a discussão da possibilidade de renegociação da dívida grega ou eventual incumprimento com saída do euro. Como Martin Wolf, colunista do Financial Times, escrevia esta semana, a UEM abeira-se de uma decisão entre duas alternativas intoleráveis: incumprimento de um estado e parcial dissolução do euro ou criação de um mecanismo oficial de apoio. Qualquer destas duas soluções encerra uma significativa transferência de recursos da Europa do Centro para os outros países. Como os membros do BCE têm vindo a alertar, a possibilidade de perdão de dívida na Grécia ou reescalonamento, representando quebra de valor actual dos activos em causa, poderá ter efeitos mais nefastos que a falência do banco Lehman Brothers em 2008, na medida em que põe em risco todo o sistema bancário europeu (para além da ruptura do sistema helénico, desconfiariam todos uns dos outros com desconhecimento da exposição à dívida grega, penalizando sobretudo alemães e franceses e congelando o mercado interbancário e o "trade finance", entre outros) e afecta a solvência do BCE. Por outro lado, não resolve a questão da capacidade de pagamento do Estado grego, na medida em que os exemplos de restruturações de dívida bem sucedidos se caracterizam por níveis de endividamento significativamente inferiores e padrões de crescimento superiores às taxas de juro da dívida. A sucessiva concentração de dívida em instituições europeias, as emissões pelo FEEF e a extensão do empréstimo à Grécia são aparentes indícios no sentido de estabelecimento de uma união fiscal com transferências. Não obstante, tal implica como o presidente do BCE ontem reconheceu que: "as autoridades europeias tenham o direito de vetar algumas decisões nacionais de política económica, a quais poderão incluir, em particular, itens principais de despesa e elementos essenciais para a competitividade do país." Para este modelo resultar é fundamental a resposta à pergunta: somos todos europeus?
Economista-chefe do Banco BPI "
Cristina Casalinho
"Nas últimas semanas, a discussão sobre o futuro do euro e da União Monetária Europeia adquiriu contornos mais definitivos.
A resolução da crise da dívida grega encerra a visão do que se pretende que a área do euro seja. O modelo actual falhou em Maio de 2010 com a necessidade de apoio financeiro internacional ao Estado helénico. Seguidamente, têm vindo a ser sucessivamente testadas soluções temporárias, numa sucessão de tentativas de adiamento de uma solução final. À partida do projecto do euro, reconheciam-se debilidades óbvias no respeitante à criação de uma união monetária óptima: concretamente, ausência de flexibilidade salarial e mobilidade laboral dentro do espaço europeu, sem mecanismos alternativos de transferência/ajustamento de rendimento. Esta fragilidade condiciona o ajustamento relativo das economias a choques assimétricos (e.g.: a abertura do comércio internacional à China).
Durante algum tempo, os mercados financeiros supriram a inexistência de mecanismos alternativos de transferência de rendimento, porque os bancos dos países do centro da Europa com excedentes de poupança canalizavam-nos através de bancos locais para as populações dos países da designada periferia para obviar os seus défices de poupança, materializados em saldos externos negativos. Contudo, a crise financeira de 2007-2008 interrompeu estes fluxos. Num primeiro momento, o Banco Central Europeu tentou aliviar parte do constrangimento dos bancos cedendo liquidez; daqui o forte aumento do recurso a financiamento do BCE dos bancos gregos e irlandeses. Contudo, esta solução tornou-se insustentável à medida que os governos dos estados observaram dificuldades de refinanciamento. Perante a necessidade de assegurar a satisfação das necessidades de liquidez do estado grego, a UEM criou um mecanismo de resolução de crises de pagamentos de Estados-membros: o fundo europeu de estabilidade financeira (FEEF), quando se advogava soluções mais arrojadas como a criação de um emitente europeu comum e de um mecanismo de transferências entre estados subordinadas a um orçamento comum.
O reforço da integração orçamental não tem sido a solução preconizada pelos estados. Contudo, a dívida da Grécia, Irlanda e Portugal está progressivamente a concentrar-se em instituições europeias: o fundo de estabilidade, o mecanismo de estabilização (MEEF) e o BCE. O FEEF e o MEEF têm-se financiado no mercado de capitais, o que estes estados não conseguem, repassando estes fundos com acréscimo de custo para os países sob intervenção. O BCE, por seu turno, vai financiando os respectivos sistemas bancários, aceitando como colateral dívida que outros credores rejeitam. Informalmente, está-se a criar um emitente comum e impõem-se regras de gestão orçamental alinhadas com o grupo.
Estes mecanismos têm-se, porém, revelado insuficientes para suster a turbulência. A agitação ou a maior aproximação da necessidade de uma solução final atingiu o seu zénite com a discussão da possibilidade de renegociação da dívida grega ou eventual incumprimento com saída do euro. Como Martin Wolf, colunista do Financial Times, escrevia esta semana, a UEM abeira-se de uma decisão entre duas alternativas intoleráveis: incumprimento de um estado e parcial dissolução do euro ou criação de um mecanismo oficial de apoio. Qualquer destas duas soluções encerra uma significativa transferência de recursos da Europa do Centro para os outros países. Como os membros do BCE têm vindo a alertar, a possibilidade de perdão de dívida na Grécia ou reescalonamento, representando quebra de valor actual dos activos em causa, poderá ter efeitos mais nefastos que a falência do banco Lehman Brothers em 2008, na medida em que põe em risco todo o sistema bancário europeu (para além da ruptura do sistema helénico, desconfiariam todos uns dos outros com desconhecimento da exposição à dívida grega, penalizando sobretudo alemães e franceses e congelando o mercado interbancário e o "trade finance", entre outros) e afecta a solvência do BCE. Por outro lado, não resolve a questão da capacidade de pagamento do Estado grego, na medida em que os exemplos de restruturações de dívida bem sucedidos se caracterizam por níveis de endividamento significativamente inferiores e padrões de crescimento superiores às taxas de juro da dívida. A sucessiva concentração de dívida em instituições europeias, as emissões pelo FEEF e a extensão do empréstimo à Grécia são aparentes indícios no sentido de estabelecimento de uma união fiscal com transferências. Não obstante, tal implica como o presidente do BCE ontem reconheceu que: "as autoridades europeias tenham o direito de vetar algumas decisões nacionais de política económica, a quais poderão incluir, em particular, itens principais de despesa e elementos essenciais para a competitividade do país." Para este modelo resultar é fundamental a resposta à pergunta: somos todos europeus?
Economista-chefe do Banco BPI "
in http://www.jornaldenegocios.pt/home.php?template=SHOWNEWS_V2&id=488691
1 Comentários:
será que ninguém escreve uma porra dum texto de sua autoria por aqui? Ninguém tem ideias próprias???
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