Um empréstimo e uma oração
23 de Maio de 2011
"Os países conhecidos como PIIGS - Portugal, Irlanda, Itália, Grécia e Espanha - estão sobrecarregados com crescentes níveis de um insustentável endividamento público e privado.
Alguns dos mais afectados - Portugal, Irlanda e Grécia - viram os seus custos com os empréstimos dispararem para máximos desde a entrada no Euro, há algumas semanas, mesmo depois de terem perdido o acesso a financiarem-se no mercado devido aos programas de resgate financiados pela União Europeia e pelo Fundo Monetário Internacional. Os juros dos empréstimos em Espanha também estão a subir.
A Grécia está claramente insolvente. Mesmo com um pacote de austeridade draconiano, que ascende a 10% do PIB, a sua dívida pública deverá subir para 160% do Produto Interno Bruto. Portugal - cujo crescimento tem estado estagnado há uma década - está a registar uma crise orçamental em câmara lenta que levará à insolvência do sector público. Na Irlanda e Espanha, a transferência das elevadas perdas do sistema bancário para o balanço do governo - além da dívida pública já em fase de escalada - acabará por conduzir a uma insolvência soberana.
A abordagem oficial, que é o Plano A, tem sido fingir que estas economias estão a passar por uma crise de liquidez, não por um problema de solvência, e que as provisões dos empréstimos dos resgates - de par com medidas de austeridade orçamental e com reformas estruturais - são capazes de restaurar a sustentabilidade da dívida e o acesso ao mercado. Esta abordagem "alarga e finge" ou "empresta e reza" está destinada a fracassar porque, infelizmente, a maioria das opções a que os países endividados recorreram no passado para se libertarem da dívida excessiva não são exequíveis.
A título de exemplo, a solução em tempos louvada de emitir dinheiro e escapar à dívida através da inflação é inviável para os PIIGS, porque estes foram apanhados na camisa de forças da Zona Euro. A única instituição que pode pôr em funcionamento a máquina de imprimir dinheiro - o Banco Central Europeu - nunca recorrerá à monetarização dos défices orçamentais.
Também não podemos esperar um rápido crescimento do PIB para salvar estes países. O encargo da dívida dos PIIGS é tão elevado que é quase impossível que consigam ter um sólido desempenho económico. Além disso, seja qual for o nível de crescimento económico que alguns destes países poderão acabar por apresentar, este dependerá da promulgação de reformas politicamente impopulares que só funcionarão no longo prazo - e à custa de dificuldades acrescidas no curto prazo.
Para restaurar o crescimento, estes países têm de voltar a ser competitivos, através de uma depreciação real da sua moeda, convertendo assim os défices comerciais em excedentes comerciais. Mas um euro em alta - impulsionado por um endurecimento monetário excessivamente precoce por parte do Banco Central Europeu - implica uma adicional apreciação real, o que mina ainda mais a competitividade.
A solução alemã para esta questão - manter o crescimento salarial abaixo do crescimento da produtividade, reduzindo assim os custos da mão-de-obra - demorou mais de uma década para ter resultados. Se os PIIGS começassem esse processo hoje, os benefícios demorariam muito tempo a surgir, no sentido de restaurarem a competitividade e o crescimento.
A última opção - deflação dos salários e preços - para se reduzirem custos, alcançar uma depreciação real e restabelecer a competitividade está associada a uma recessão cada vez mais profunda. A depreciação real, necessária para restaurar o equilíbrio da balança externa, fará subir ainda mais o valor real das dívidas em euros, tornando-as ainda mais insustentáveis.
Reduzir o consumo privado e público, de forma a impulsionar as poupanças privadas, bem como implementar medidas de austeridade orçamental para reduzir as dívidas pública e privada, também não são opções viáveis. O sector privado pode gastar menos e poupar mais, mas isso gerará um custo imediato, conhecido como paradoxo da frugalidade de Keynes: diminuição da produção económica e aumento da dívida em proporção do PIB. Estudos recentes realizados pelo Fundo Monetário Internacional e outros organismos demonstram que o aumento de impostos, corte dos subsídios e redução dos gastos governamentais - inclusivamente os gastos ineficientes - asfixiaria o crescimento no curto prazo, exacerbando o problema subjacente da dívida.
Se os PIIGS não conseguem livrar-se dos seus problemas através da inflação, desvalorização ou poupança, então o Plano A já está a falhar ou está condenado a fracassar. A única alternativa é passar rapidamente para o Plano B - uma reestruturação ordenada e uma redução das dívidas públicas destes países, famílias e bancos.
Isso pode ser feito de várias formas. Uma delas pode ser reescalonar as dívidas públicas dos PIIGS, sem se reduzir o montante que é devido. Isto significa alargar as maturidades das dívidas (sem tocar no capital original em dívida) e reduzir a taxa de juro das novas dívidas para níveis muito inferiores aos níveis actualmente insustentáveis dos mercados. Esta solução limitaria o risco de contágio e as potenciais perdas que as instituições financeiras teriam de suportar se o valor o valor da dívida principal fosse reduzido.
Os dirigentes políticos deveriam também ponderar as inovações que permitiram ajudar os países em desenvolvimento endividados nas décadas de 80 e 90. A título de exemplo, os detentores de obrigações poderiam ser incentivados a trocar as actuais obrigações por obrigações vinculadas ao PIB, que oferecem compensações associadas ao futuro crescimento económico. Com efeito, estes instrumentos transformam os credores em accionistas da economia de um país, dando-lhes o direito a receber uma parte dos seus futuros ganhos, ao mesmo tempo que se reduz temporalmente o seu encargo da dívida.
Outra forma de converter parte da dívida hipotecária em património accionista é reduzir o valor nominal das hipotecas e conferir os ganhos futuros - no caso de os preços das casas subirem no longo prazo - aos bancos credores. Também se poderia reduzir as obrigações bancárias e convertê-las em fundos próprios, o que evitaria a absorção dos bancos pelo Estado e evitaria que a socialização das perdas da banca provocasse uma crise da dívida soberana.
A Europa não pode dar-se ao luxo de continuar a injectar dinheiro para tentar resolver o problema e a rezar para que o crescimento e o tempo tragam a salvação. Ninguém descerá dos céus, deus ex machina, para resgatar o FMI ou a UE. Os credores e os detentores de obrigações que emprestaram o dinheiro devem suportar parte do encargo, a bem dos PIIGS, da UE e dos seus próprios resultados líquidos."
in http://www.jornaldenegocios.pt/home.php?template=SHOWNEWS_V2&id=486137
Etiquetas: BCE, Project Syndicate
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