A Europa já não ama
Editorial, Jornal de Negócios, 16/05/11
por Pedro Santos Guerreiro
Há quanto tempo não ouvimos um responsável europeu dizer que "a moeda única é um êxito óbvio"? Há 24 horas.
Achamos que há um problema sem fim na Europa mas para a Europa o problema somos nós. De resto, "é um êxito". Óbvio.
Em entrevista ao "El País", Jean-Claude Trichet assume que a União Monetária segue melhor que a Económica. O presidente do BCE acrescenta que "a situação orçamental da zona euro no seu conjunto está muito melhor que a dos EUA ou Japão. O paradoxo é que temos alguns países numa situação muito má, que exige fortes ajustes." É uma maçada haver Grécia, Portugal e Irlanda. Por isso nos chamam periféricos.
Trichet não é político, é um "técnico". Do ponto de vista técnico, a sua análise está correcta. Mas revela bem o pragmatismo de uma Europa no momento da sua crise e da vulnerabilidade dos governantes eleitos à pressão dos seus eleitores. A ideologia solidária de Jean Monnet e Robert Schuman está no retrovisor mas não se vê mais pela janela.
Ao contrário do que proclamamos, na zona euro estamos todos próximos mas não estamos todos juntos. Não estamos sequer no mesmo barco: Portugal, Grécia e Irlanda passaram para o bote que vai atado ao navio-almirante. Presumir que é "um por todos, todos por três" pode sair-nos caro se provocar mais ilusões. A Europa sempre andou a duas velocidades. Mas agora os mais velozes olham para os outros (para nós) como peso morto que lhes atrasa o passo.
Estamos mais isolados do que queremos admitir. A saída do euro seria uma catástrofe para Portugal mas estamos a usar o argumento errado para nos garantirmos: que seria uma catástrofe também para os outros. Isso pode não ser verdade. O euro é mais importante para nós do que nós somos para o euro.
O argumento de que seremos socorridos porque temos dívida colocada em bancos estrangeiros é falacioso: se alemães, franceses e espanhóis nos ajudarem com dinheiro por causa dos seus bancos, podem preferir ajudar directamente esses bancos. E o argumento de que o ideal da União seria traído, sendo verdade, é apenas uma súplica final. De um dia para o outro, outros dirão que fomos nós que traímos esses ideais ao produzirmos as nossas falências depois das suas subsidiações. É uma visão egoísta? É. Mas não deixará um grama nas suas consciências.
Trichet é o primeiro a dizer (e será o último a deixar de dizer) que a ideia de exclusão de um país do euro é absurda. Como Barroso dirá até ao fim que a reestruturação da dívida da Grécia não acontecerá. Mas ela é possível. Acontecendo, há países que podem propor a expulsão da Grécia do euro. Nessa altura, quereremos estar noutro barco - isto é, fora do bote.
A Europa sofre pressões sem precedentes de eleitores fartos de pagar impostos e passar cheques. Os gregos e, depois deles, os portugueses são vistos como problema e pode decidir fazer-se o que se faz a um braço gangrenado: cortar para salvar o resto do corpo. Em Portugal, temos achado esse cenário impossível, ou porque "isso não se faz" ou porque nos presumimos indispensáveis.
O plano da troika é, mesmo, mas mesmo, uma última oportunidade, que temos de agarrar sem submissão mas com humildade. Só nós nos salvaremos, os outros apenas nos emprestam dinheiro. É bom acabar com a ilusão de que jamais nos deixarão cair e, em vez disso, olharmos para os compromissos brutais de redução dos défices. O plano da troika é a corda que ata o bote ao navio, mas uma corda também serve para forca.
Quando se corta a cabeça à galinha, o seu corpo corre acéfalo alguns segundos - e morre. Mas a Europa tornou-se um animal de sangue frio. E nós não somos a cabeça, somos a cauda da zona euro. E sem cauda vive o lagarto, mesmo se ela treme num estertor final.
in: http://www.jornaldenegocios.pt/home.php?template=SHOWNEWS_V2&id=484753
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