Adeptos escoceses na final do campeonato da Europa de curling, em 2007, na Alemanha
"A recente vitória eleitoral dos nacionalistas recupera a ideia da independência da Escócia. Mas se olharmos para o exemplo da Catalunha e do País Basco, verificamos que estamos mais perto de uma Europa das confederações, diz El País.
Walter Oppenheimer
A inesperada e esmagadora vitória do Partido Nacional Escocês (SNP) nas eleições autonómicas da semana passada em que, contra todas as previsões, ganhou 69 dos 129 lugares em jogo, abriu a porta à realização de um referendo sobre a independência da Escócia. Considerada uma quimera, há 10 ou 15 anos, a possibilidade de independência começa a ser agora levada a sério, apesar das sondagens recentes revelarem o paradoxo de tal rutura ser mais desejada pelos ingleses do que pelos escoceses.
O sistema de auto governo da Escócia, a chamada devolução ou transferência de competências, foi posta em prática pelos trabalhistas, em 1997. Por trás dessa descentralização imperava a ideia de que quanto mais autonomia tivessem os escoceses, menos vontade de independência teriam os escoceses. Agora, são muitos os que acreditam que aconteceu exatamente o contrário. Outros dizem que só no final se verá.
A identidade nacional não está em causa
A vitória do SNP teve impacto em Espanha, pelo seu paralelismo com os desejos independentistas de parte das populações basca e catalã. Mas as diferenças são grandes. O Reino Unido começou a forjar-se há quatro séculos, com a subida ao trono de Inglaterra de Jaime IV da Escócia, e selou-se com a fusão voluntária dos dois parlamentos, um século depois, em 1707.
Contrariamente ao Reino Unido, Espanha não possui um mapa complexo de 17 regiões autónomas com diferentes graus de ambição de auto governo. Regressando ao caso escocês, é o pobre, não o rico, que se quer ir embora [ao contrário de Espanha, onde a Catalunha e o País Basco são as regiões mais ricas]. E a identidade nacional de escoceses e ingleses não está em causa.
De qualquer maneira, a possibilidade de Alex Salmond, o carismático líder independentista, convocar um referendo não provoca a mínima tormenta política no Reino Unido. “O SNP está a ser um pouco otimista ao pensar que pode ganhar um referendo sobre a independência”, diz o historiador Sebastian Balfour, professor emérito de Estudos Contemporâneos Espanhóis na London School of Economics. “O SNP sofreria gravemente as consequências de um resultado negativo porque a situação é muito curiosa e difere bastante da que existe em Espanha: há muito mais ingleses do que escoceses favoráveis à independência da Escócia e há menos ingleses contra do que escoceses. Do lado escocês há uma forte corrente que quer manter a união com Inglaterra. É como se os ingleses tivessem saltado de uma identidade nacionalista-imperialista para uma identidade pós-nacional, uma identidade cívica mais local, digamos, ou mais regional, e acho que é duvidoso que, neste momento, o SNP levante a questão do referendo. Outra coisa é, e penso que essa é a sua estratégia a longo prazo, demonstrar a capacidade de gerir os assuntos em defesa dos interesses da Escócia”.
A Escócia é mais escocesa do que a Catalunha é catalã
Como é que a esmagadora vitória do SNP pode afetar Espanha? “Até certo ponto pode reforçar o setor de opinião pró-independência, mas não acredito que vá ter um grande impacto”, defende Balfour. “Não acho que seja assim tão importante. Há grandes diferenças e, na verdade, a única coisa que faz com que a Escócia se assemelhe à Catalunha e ao País Basco é o facto de ter um partido nacionalista com maioria no Parlamento. Isso não é novo em Espanha”.
A Escócia é nacionalista “no sentido em que as pessoas se sentem, acima de tudo, imensamente escocesas; mas também são britânicas”, concorda David McCrone, vice-diretor do Instituto de Governação da Universidade de Edimburgo. “Na Catalunha, essa questão tem uma escala de cinco pontos: ser catalão, mas não ser espanhol; ser mais catalão do que espanhol; ser tão catalão como espanhol; ser mais espanhol do que catalão; ser espanhol, mas não catalão. Nesse sentido, a Escócia é muito mais escocesa do que a Catalunha é catalã. Isto tem muito a ver com a imigração vinda das outras regiões de Espanha. E talvez, também, com a questão linguística".
No caso da escócia, a língua não é um problema. “A língua foi eliminada como uma portagem que as pessoas tiveram de pagar para serem escocesas”, explica. “Ser escocês é uma questão territorial, não é uma questão linguística ou étnica. E isso torna mais fácil a alguém que vá para a Escócia sentir-se escocês. A língua não se converte numa razão de ser, num elemento essencial da identificação nacional ou numa forma de expressar as diferenças, como acontece com a religião ou como sucede com a língua, no Quebeque”. Ou em Gales, onde o nacionalismo é mais débil do que na Escócia, mas cerca de um em cada quatro gauleses fala galês.
Uma questão de soberania partilhada
Isto faz com que o debate sobre a independência tenha na Escócia um tom mais pragmático do que as discussões em torno da mesma ideia no País Basco ou na Catalunha. Na opinião de McCrone, o que verdadeiramente palpita por trás da vitória do SNP não é tanto o independentismo face ao unionismo, mas sim o grau de auto governo que os escoceses querem. “Nos últimos 20 anos, alguns de nós centrámo-nos menos em distinguir entre independência e autonomia e mais a estudar a questão de como evolui o auto governo. Na verdade, o debate coloca-se no quanto de auto governo e no como conseguir um maior auto governo.”
McCrone ri-se do simplismo com que se analisa em Londres a questão escocesa. “A visão metropolitana tende a ter dois pontos de vista: que a Escócia nunca será independente ou que a independência é viável. Creio que é muito mais complicado do que isso. Vivemos num mundo em que o significado da independência é problemático. Na realidade, estamos a falar de graus de auto governo. Se, por independência, se entende o clássico Estado independente do século XIX, com exércitos e fronteiras e todas essas coisas, claro que não. Esse não é o mundo em que vivemos.”
“Vivemos num mundo em que o auto governo se partilha em diferentes níveis”, explica. “Tanto o Estado espanhol como o britânico são membros da União Europeia. E a UE tem poder. Não é uma questão de soberania absoluta, mas de soberania partilhada.”
“Penso que o Reino Unido vai continuar numa rota confederal”, continua David McCrone. “Por outras palavras, no futuro, quando tiver que acontecer, haverá graus mais altos de auto governo. Tal como acontece, por razões muito diferentes e noutro contexto, na Bélgica. A devolução de poderes na Flandres e na Valónia é considerável. Estamos a caminhar para um mundo confederal. E não para um mundo de Estados absolutamente independentes. Um mundo em que a Escócia, a Catalunha e também o País Basco irão mais longe no auto governo. As coisas mudam. E os comportamentos dos governos centrais são cruciais. Os conservadores aprenderam várias lições neste aspeto. Já não são tão agressivos nem tão estúpidos como eram, quando estavam no poder. Veremos se se mantêm assim”.
Chegaremos a ver o Reino Desunido da Grã-Bretanha? Como diz Alex Salmond: “Diziam que não voltaria a haver um Parlamento escocês, e há. Diziam que nunca ganharíamos as eleições, e ganhámo-las em 2007. Que nunca teríamos a maioria absoluta, e temo-la. Agora dizem que nunca ganharemos um referendo para a independência.” Quem sabe!"
"Economia
O petróleo não garante a independência
Segundo o
Neue Zürcher Zeitung, "a independência da Escócia não é razoável de um ponto de vista económico", mesmo que o país disponha "de outros bens para além do petróleo, do whisky e da gaita-de-foles". Com 15 mil 453 milhões de libras (17 mil 811 milhões de euros) geradas em 2007, a energia mantém-se a principal fonte de receitas, adianta o diário suíço. As oscilações de preços e a diminuição das reservas de petróleo, porém, levam a que a criação de um orçamento estável a médio prazo "represente um verdadeiro desafio para a Escócia". A energia eólica, capaz de moderar estas perdas, é uma realidade "em pleno desenvolvimento mas, neste momento, continua a ser uma operação inútil". As Finanças, outro pilar da economia escocesa, são igualmente instáveis em tempos de crise, revela o
NZZ. O Royal Bank of Scotland e o HBOS tiveram de ser resgatados pelos contribuintes britânicos. "O sonho de independência dos escoceses levá-los-ia assim a uma realidade brutal. Em contrapartida, uma maior autonomia financeira poderia dinamizar a economia do país", conclui o jornal."
in http://www.presseurop.eu/pt/content/article/675421-escocia-uma-independencia-por-inventar